sábado, 4 de agosto de 2012

Nove Poemas de Amor



Pablo Neruda


I
Matilde, nome de planta, pedra ou vinho,
de que nasce da terra e que dura,
palavra em cujo crescimento amanhece,
em cujo estio estala a luz dos limões .
Neste nome correm navios de madeira
rodeados pelos enxames de fogo azul marinho,
e essas letras são a água de um rio
que desemboca em meu coração abrasado.
Oh nome descoberto embaixo de uma trepadeira
como a porta de um túnel desconhecido
que comunica com a fragrância do mundo!
Oh invada-me com tua boca abrasadora,
indaga-me, se quer, com teus olhos noturnos,
porém em teu nome deixa-me navegar e dormir.


II
Amor, quantos caminhos há até chegar a um beijo,
que solidão errante há em tua companhia!
Passam os trens sós rodando com a chuva.
Em Taltal não amanheceu ainda a primavera.
Porém tu e eu, amor meu, estamos juntos,
juntos desde a roupa as raízes,
juntos com outono, da água, dos quadris,
até ser só tu, só eu juntos.
Pensar que custa tantas pedras que leva ao rio,
a foz da água de Boroa,
pensar que separados por trens e nações.
tu e eu tínhamos que simplesmente amarmo-nos,
com todos confundidos, com homens e mulheres,
com a terra que implanta e educa os cravos.


III
Áspero amor, violeta coroado de espinhos,
brejal entre tantas paixões eriçadas,
lança das dores, coroa da cólera,
por quais caminhos e como te dirige a minha alma?
Por que precipitaste teu fogo doloroso,
de súbito, entre as folhas frias do meu caminho?
Quem te ensinou os passos que até mim te levaram?
Que flor, que pedra, que humo mostraram minha morada?
O certo é que tremeu a noite pavorosa,
a árvore chegou todas as copas com seu vinho
e o sol estabeleceu sua presença celeste,
entretanto que cruel amor me cercava sem trégua
até que me lançando com espadas e espinhos
abriu em meu coração um caminho de chamas.


IV
Recordarás aquela quebrada caprichosa
de onde os aromas palpitantes treparam,
de quando em quando um pássaro vestido
com água e lentitude: traje do inverno.
Recordarás dos dons da terra:
irascível fragrância, barro de ouro,
ervas do matagal, locas raízes,
sortilégios espinhos como espadas.
Recordarás o ramo que te trouxe,
ramo de sombra e água com silêncio,
ramo como uma pedra com espuma.
E aquela vez foi como nunca e sempre:
vamos ali donde no espera nada
e falamos tudo o que está esperando.


V
Não te toque a noite nem o ar nem a aurora,
só a terra, a virtude dos galhos,
as maças que crescem ouvindo a água pura,
o barro e as resinas de teu país fragrante.
Desde Quinchamalí de onde fizeram-se teus olhos
até teus pés criados para mim na Fronteira
é a greda escura que conosco:
em teus quadris toco de novo todo o trigo.
Talvez tu não o sabias, araucana,
que quando antes do amar-te me esqueci de teus beijos
meu coração ficou recordando tua boca
e fui como um ferido pelas ruas
até que compreendi que havia encontrado,
amor, meu território de beijos e vulcões.


VI
Nos bosques, perdidos, cortei um ramo escuro
e os lábios, sedentos, levantaram seu sussurro:
era talvez a voz da chuva chorando,
uma companhia vermelha ou um coração cortado.
Algo que desde tão longe me parecia
oculto gravemente, coberto pela terra,
um grito ensurdecido por imensos outonos,
pela entreaberta e úmida escuridão dos bosques.
Porém ali, despertando dos sonhos do bosque,
o ramo de avelã canto embaixo de minha boca
e seu errante olor subiu no meu critério.
como assim me buscaram de súbito as raízes
que abandonei, a terra perdida com minha infância,
y me deteve ferido pelo aroma errante.


VII
« Venhas comigo» disse — sem que nada supera
de onde e como ardia meu estado doloroso,
e para mim não havia chave nem barcarola,
nada senão uma ferida pelo amor aberta.
Repeti: vem comigo, como se eu morresse,
e nada veio em minha boca com lua que sangrava,
nada viu aquele sangue que subia ao silêncio.
Oh amor agora ouviremos a estrela com espinhos!
Por isso quando escutei que tua voz repetia
”Venhas comigo” — fui como se desprendia
dor, amor, a fúria do vinho envelhecido.
que desde sua bodega submergida subira
e outra vez em minha boca senti um sabor de chama,
de sangue e de chaves, de pedra e queimadura.


VIII
Sim não foi porque teus olhos tem cor de lua,
de dia com argila, com trabalho, com fogo,
e prisioneira tens a agilidade do ar,
sim não foi porque és uma semana de âmbar,
sim não foi porque és o momento amarelo
em que o outono sobe pelas trepadeiras
e és algum pão que a lua fragrante
elabora passando sua farina pelo céu,
oh, bem amada, eu não te amaria!
Em teu abraço eu abraço o que existe,
a areia, o tempo, a árvore da chuva,
E tudo vive para que eu viva:
sem ir tão longe posso vê-lo todo:
veio em tua vida todo o vivente.


IX
O golpe da onda contra a pedra indócil
a claridade estala e estabelece sua rosa
e o círculo do mar se reduz a uma cauda,
a uma só gota de sal azul que cai.
Oh radiante magnólia desatada da espuma,
magnética viajante cuja morte floresce
e eternamente volta a ser e a não ser nada:
sal roto, deslumbrante movimento marinho.
Juntos tu e eu, amor meu, selamos o silencio,
entretanto destrói o mar suas constantes estátuas
e derruba suas torres de fascínio e brancura,
porque na trama destes tecidos invisíveis
a água desbocada, da incessante arena,
sustentemos a única e acossada ternura.



Links:

Pablo Neruda - Biography

A Magia Da Poesia - Pablo Neruda


A obra que ilustra esta postagem é intitulada " The Happy Lovers" (1884). Óleo sobre tela de autoria do artista francês Jean Desire Gustave Coubert (1819-1877), em exposição no Museu de Belas Artes, na cidade de Lyon, França.

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