segunda-feira, 27 de agosto de 2012



“To be or not to be, that’s the question”


 'Hamlet'

William Shakespeare

Ato III
Cena 1
(…)
POLÔNIO
Você fica aqui, Ofélia. (Ao Rei.) E se apraz
A Vossa Graça, nos escondemos ali.
(Pra Ofélia.) Você lê este breviário
Pra que o exercício espiritual
Dê algum colorido à tua solidão.
Vamos ser acusados de coisa já tão provada;
Com um rosto devoto e alguns gestos beatos,
Açucaramos até o demônio.
REI
(À parte.) Oh, como isso é verdade!
que ardente chicotada em minha consciência é esse discurso.
A face da rameira, embelezada por cosméticos,
Não é mais feia para a tinta que a ajuda
Do que meu feito pra minha palavra mais ornamentada.
Oh, fardo esmagador!
POLÔNIO
Ele vem vindo. Vamos nos retirar, senhor.
(Saem Polónio e o Rei.)
HAMLET
Ser ou não ser eis a questão.
Será mais nobre sofrer na alma
Pedradas e flechadas do destino feroz
Ou pegar em armas contra o mar de angústias –
E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;
Só isso. E com o sono – dizem – extinguir
Dores do coração e as mil mazelas naturais
A que a carne é sujeita; eis uma consumação
Ardentemente desejável. Morrer – dormir –
Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!
Os sonhos que hão de vir no sono da morte
Quando tivermos escapado ao tumulto vital
Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão
Que dá à desventura uma vida tão longa.
Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,
A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,
As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,
A prepotência do mando, e o achincalho
Que o mérito paciente recebe dos inúteis,
Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso
Com um simples punhal? Quem agüentaria fardos,
Gemendo e suando numa vida servil,
Senão porque o terror de alguma coisa após a morte –
O país não descoberto, de cujos confins
Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,
Nos faz preferir e suportar os males que já temos,
A fugirmos pra outros que desconhecemos?
E assim a reflexão faz todos nós covardes.
E assim o matiz natural da decisão
Se transforma no doentio pálido do pensamento.
E empreitadas de vigor e coragem,
Refletidas demais, saem de seu caminho
Perdem o nome de ação. (Vê Ofélia rezando.)
Mas, devagar, agora!
A bela Ofélia!
(Para Ofélia.) Ninfa, em tuas orações
Sejam lembrados todos os meus pecados.
OFÉLIA
Meu bom senhor, como tem passado todos esses dias?
HAMLET
Lhe agradeço humildemente. Bem, bem, bem.
OFÉLIA
Meu senhor, tenho comigo umas lembranças suas
Que desejava muito lhe restituir.
Rogo que as aceite agora.
HAMLET
Não, eu não;
Nunca lhe dei coisa alguma.
OFÉLIA
Respeitável senhor, sabe muito bem que deu;
E acompanhadas por palavras de hálito tão doce
Que as tornaram muito mais preciosas. Perdido o perfume,
Aceite-as de volta; pois, pra almas nobres,
Os presentes ricos ficam pobres
Quando o doador se faz cruel.
Eis aqui, meu senhor. (Dá os presentes a ele.)
HAMLET
Ah, ah! Você é honesta?
OFÉLIA
Meu senhor?!
HAMLET
Você é bonita?
OFÉLIA
O que quer dizer Vossa Senhoria?
HAMLET
Que se você é honesta e bonita, sua honestidade não deveria admitir qualquer intimidade com a beleza.
OFÉLIA
Senhor, com quem a beleza poderia ter melhor comércio do que com a virtude?
HAMLET
O poder da beleza transforma a honestidade em meretriz mais depressa do que a força da honestidade faz a beleza se assemelhar a ela. Antigamente isso
era um paradoxo, mas no tempo atual se fez verdade. Eu te amei, um dia.
OFÉLIA
Realmente, senhor, cheguei a acreditar.
HAMLET
Pois não devia. A virtude não pode ser enxertada em tronco velho sem pegar seu cheiro. Eu não te amei.
OFÉLIA
Tanto maior meu engano.
HAMLET
Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? Eu também sou razoavelmente virtuoso. Ainda assim, posso acusar a mim mesmo de tais coisas que talvez fosse melhor m
era um paradoxo, mas no tempo atual se fez verdade. Eu te amei, um dia.
OFÉLIA
Realmente, senhor, cheguei a acreditar.
HAMLET
Pois não devia. A virtude não pode ser enxertada em tronco velho sem pegar seu cheiro. Eu não te amei.
OFÉLIA
Tanto maior meu engano.
HAMLET
Vai prum convento. Ou preferes ser geratriz de pecadores? Eu também sou razoavelmente virtuoso. Ainda assim, posso acusar a mim mesmo de tais coisas que talvez fosse melhor minha mãe não me ter dado à luz. Sou arrogante, vingativo, ambicioso; com
mais crimes na consciência do que pensamentos para concebê-los, imaginação para desenvolvê-los, tempo para executá-los. Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós. Vai, segue pro convento. Onde está teu pai?
OFÉLIA
Em casa, meu senhor.
HAMLET
Então que todas as portas se fechem sobre ele, pra que fique sendo idiota só em casa. Adeus.
OFÉLIA
(À parte.) Oh, céu clemente, ajudai-o!
HAMLET
Se você se casar,
minha mãe não me ter dado à luz. Sou arrogante, vingativo, ambicioso; com
mais crimes na consciência do que pensamentos para concebê-los, imaginação para desenvolvê-los, tempo para executá-los. Que fazem indivíduos como eu rastejando entre o céu e a terra? Somos todos rematados canalhas, todos! Não acredite em nenhum de nós. Vai, segue pro convento. Onde está teu pai?
OFÉLIA
Em casa, meu senhor.
HAMLET
Então que todas as portas se fechem sobre ele, pra que fique sendo idiota só em casa. Adeus.
OFÉLIA
(À parte.) Oh, céu clemente, ajudai-o!
HAMLET
Se você se casar,
leva esta praga como dote:
Embora casta como o gelo, e pura como a neve, não escaparás
À calúnia. Vai pro teu convento, vai. Ou,
Se precisa mesmo casar, casa com um imbecil. Os espertos sabem muito bem em que monstros vocês os transformam. Vai prum conventilho, um bordel: vai – vai depressa! Adeus.
OFÉLIA
Ó, poderes celestiais, curai-o!
HAMLET
Já ouvi falar também, e muito, de como você se pinta. Deus te deu uma cara e você faz outra. E você ondula, você meneia, você cicia, põe apelidos nas criaturas de Deus, e procura fazer passar por inocência a sua volúpia. Vai embora – chega –
foi isso que me enlouqueceu.
Afirmo que não haverá mais casamentos. Os que já estão casados continuarão todos vivos – exceto um. Os outros ficam como estão. Prum bordel – vai! (Sai.)
OFÉLIA
Ó, ver tão nobre espírito assim tão transtornado!
O olho, a língua, a espada do cortesão, soldado, sábio,
Rosa e esperança deste belo reino,
Espelho do gosto e modelo dos costumes,
Admirado pelos admiráveis – caído assim, assim destruído!
E eu, a mais aflita e infeliz das mulheres,
Que suguei o mel musical de suas promessas,
Vejo agora essa razão nobre e soberana,
Descompassada e estridula como um sino rachado e rouco.
E coisa consagrada:
A loucura dos grandes deve ser vigiada.

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